O Embargo Econômico a Cuba e a Subserviência Brasileira
Na ONU, Brasil vota contrariamente à resolução que condena o embargo a Cuba.
Recentemente, a diplomacia do governo Bolsonaro surpreendeu novamente com suas atitudes extremas e incoerentes no que diz respeito às tradições das relações internacionais do país. Rompendo com dois pilares da diplomacia brasileira, baseados na não intervenção nos assuntos internos de outros países e no respeito à soberania, o Brasil votou na Assembleia Geral das Nações Unidas contrariamente à resolução que condena o embargo criminoso imposto a Cuba.
Em oposição à maioria quase unânime (187 países), apenas três nações votaram pela manutenção do embargo econômico a Cuba: Estados Unidos, Israel e Brasil.
Não é novidade que Israel tenha votado pelo embargo. Os Estados Unidos são há décadas o principal aliado econômico e militar na nação sionista que, sem o apoio norte-americano, dificilmente sobreviveria isolada em meio a países árabes hostis às intenções expansionistas israelenses no Oriente Médio.
A grande surpresa foi o Brasil, país que possui uma histórica postura de resolução pacífica de controvérsias e não intervenção diante de seus vizinhos latino americanos (ao menos desde a Guerra do Paraguai, entre 1864 e 1870), adotar uma medida para isolar outro país da região como forma de pressionar por mudanças em sua política interna.
O alinhamento automático aos Estados Unidos
O alinhamento aos interesses dos Estados Unidos retorna periodicamente à diplomacia brasileira, em níveis de submissão oscilantes.
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Desde a vitória dos Estados Unidos contra a Espanha, na Guerra Hispano-Americana, em 1898, o Caribe é considerado uma região estratégica e sob sua influência direta. Portanto, em 1959, quando a Revolução triunfa em Cuba, ilha caribenha situada a apenas 180 km da península da Flórida, as bases do controle norte-americano sob bloco capitalista ocidental vêm-se sob ameaça.
Em 1960, os EUA com medo de que os princípios da Revolução Cubana se espalhassem pela região e, após o governo de Fidel Castro mandar nacionalizar propriedades e empresas da elite cubana refugiada, adotam as primeiras medidas do bloqueio a Cuba. No entanto, durante o restante do período democrático no Brasil (até o golpe de 1964), adere-se a uma postura de não interferência nos assuntos internos de Cuba.
Nos anos que antecederam a ditadura, o Itamaraty manteve uma conduta altiva e relativamente descolada de interesses externos. Em um ato considerado extremamente polêmico na época, o caricato presidente Jânio Quadros chegou a condecorar o Ministro cubano Ernesto "Che" Guevara, com a Grã Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul.
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A Conferência de Punta del Este, realizada em janeiro de 1962, reuniu os integrantes da Organização dos Estados Americanos para deliberar acerca dos efeitos da Revolução Cubana no hemisfério. Enquanto a posição estadounidense propunha a adoção de sanções a Cuba, a delegação diplomática brasileira, na época chefiada pelo Ministro de Relações Exteriores San Tiago Dantas, trabalhou em conjunto com países como México e Argentina para evitar esse resultado, analisando o risco representado por possíveis futuras ingerências nos assuntos internos das nações latino americanas. Em uma atitude conciliatória, o Brasil acabou se abstendo na votação que viera posteriormente a expulsar Cuba da OEA devido a “incompatibilidade entre o regime cubano e os princípios do sistema”.
A diplomacia do governo Bolsonaro, liderada pelo atual Ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, é incompatível e de uma submissão aos EUA sem precedentes na história do Brasil democrático.
Mesmo em relação ao intervalo da ditadura militar, cabe ressaltar que dado grau de submissão é, porventura, comparável ao primeiro dos interventores, General Castelo Branco (1964-67). Durante o período, apesar da aliança com o bloco capitalista liderado pelos EUA, manteve-se um relativo grau de pragmatismo e de autonomia conferida à capacidade de formulação de política externa pelo Itamaraty. Lembrando que durante o regime militar o Brasil sustentou laços econômicos robustos com a União Soviética, admitiu a República Popular da China (a China continental e comunista), ao invés da República da China (Taiwan), como representante legítima do povo chinês, foi o primeiro país do mundo a reconhecer Angola independente, entre outras atitudes consideradas de interesse do Estado.
Em 1986, pouco após o fim do regime militar, Brasil e Cuba voltam a restabelecer relações políticas.
Nos anos 1990, durante os governos de Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso, economicamente o Brasil aderiu ao Consenso de Washington, que postulava a adoção do receituário neoliberal imposto pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), como requisito para a obtenção de acesso ao crédito externo e para elevar o ingresso de dólares no país, o que ajudaria combater a inflação e a estagnação. No entanto, a diplomacia brasileira manteve diversas ressalvas à defesa dos interesses norte-americanos no campo político. Em 1992, na ONU, votou favoravelmente à resolução que condena o embargo a Cuba.
Pragmatismo ou subserviência pura?
Existe alguma vantagem evidente de como o Brasil se beneficiaria com a manutenção do bloqueio econômico imposto a Cuba? Até o momento essa explicação não foi fornecida ao povo brasileiro. Em nota escrita por Ernesto Araújo, é possível constatar motivações estritamente ideológicas no voto pela manutenção do embargo. Nela, o chanceler argumentou que:
“Nada nos solidariza com Cuba. O regime cubano, desde sua famigerada revolução 60 anos atrás, destruiu a liberdade de seu próprio povo, executou milhares de pessoas, criou um sistema econômico de miséria e, não satisfeito, tentou exportar essa ‘revolução’ para a América Latina”.
Cabe mencionar que empresas brasileiras exportam para Cuba uma série de produtos: diversos tipos de alimentos, como óleo de soja, arroz, frango, embutidos, produtos de beleza, além de serviços de construção, engenharia, entre outros.
Além do âmbito comercial, é importante frisar a notável cooperação na área da saúde, onde milhares de médicos cubanos foram enviados ao Brasil para atender a população, majoritariamente do interior, que sofria pela escassez de atendimento nos postos do SUS. O Programa Mais Médicos recebeu profissionais de Cuba e de outros países e beneficiou milhões de brasileiros desde seu lançamento, em 2013. Em 2018, contudo, após o recém eleito Bolsonaro decretar que não iria mais pagar o governo cubano pelo convênio, a saída de milhares de médicos deixou essas pessoas sem assistência, uma vez que as vagas desocupadas não foram completamente preenchidas até hoje.
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Após a ruptura com o posicionamento adotado desde 1992, em uma atitude irracional, nas palavras do Ex-Ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, em entrevista com a Carta Capital, indo de encontro a 187 países do mundo e aderindo a uma postura subserviente aos interesses norte-americanos, a diplomacia brasileira passa a concordar com o embargo criminoso erguido contra Cuba.
Enquanto a justificativa oficial do bloqueio postula que o isolamento é necessário com o propósito de “planejar uma transição que leve a um governo democraticamente eleito em Cuba”, na prática, as sanções em quase 60 anos não ocasionaram a troca de regime, o que claramente aponta para o fracasso das medidas. Ainda assim, o bloqueio segue impondo a cada dia novos desafios ao cotidiano dos cubanos, cujas perdas materiais e humanas indiretamente ligadas às sanções são imensuráveis. Enquanto isso, o Brasil, que em nada se beneficia da política de isolamento contra Cuba, assiste atônito e aguarda explicações, por parte de um restrito grupo político, acerca de como determinado instrumento auxilia em alguma medida seu desenvolvimento ou beneficia de alguma forma o bem estar de sua população.
Por: Ticiana Amaral
Edidora da Dicas sobre CUBA e Mestre em Economia Política Internacional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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